sexta-feira, junho 22, 2012

Just Tonight


A figura no caixão

De todos os funerais que já fui este foi o mais deprimente. A sala fria de paredes brancas, as gotas de chuva batendo na janela e as pessoas todas em volta do caixão, cabisbaixas... Fazem-me pensar se fiz o correto. Todos me olham pelo canto dos olhos, todos me culpam.  Não me importo. No fundo só quero olhar para dentro de mim. Mas a figura no caixão parece tão mais feliz... As olheiras e o vestido vermelho não tiram a beleza da jovem garota. O que cada um queria ali era que a bela menina se levantasse como num passe de mágica, que aparecessem milhares de pessoas para ver a bela que ressuscitou, cantando e esbanjando novamente sua beleza, fitando a todos com seus enormes olhos azuis e que os lábios antes brancos e sem vida no caixão, voltassem a ter cor. Mas isto não iria acontecer. E só eu sabia que inúmeros foram os pecados dela... Não, ela não era uma boa menina. Quando o sol se punha, ela se transformava na garota do beco. Com seu corpo de mulher, mas com pouca idade. Qualquer coisa virava diversão para ela após a meia-noite. Para ela e para mim. Queria ser ao menos uma noite, a vadia, a boa moça e a gótica. Extintos estranhos vinham dela ao entrar no beco, desejos obscuros... O prazer de beijar sua boca e sentir gosto de sangue fresco e quente ocorreu mais de uma vez, e aproveitei. Ela sim sabia se divertir sozinha, passeando nas alamedas escuras de camisola e maquiagem preta, portando um soco inglês escondido nas partes íntimas (caso tivesse problemas). Tinha traços masoquistas na personalidade, mas nada que chegasse a me assustar.
Mas nada mais importava, ela não voltará. Não importa que o sol saia na hora do enterro, que esta chuva torrencial pare. Perdi seu amor, seus olhos... Meu prazer. E chegara a hora de fechar a tampa do caixão. A última visão de seu rosto antes que aquela tampa de madeira fosse abaixada ficaria em minha mente para sempre. Uma fresta de alguns centímetros, um sorriso de lado e a tampa se fechou para sempre num barulho estrondoso.  Poderia ter contado a todos o que vi e fazer um escândalo, me jogar na cova junto com você. Mas para quê? Preferi o silêncio e o enterro, pois assim enterraria também todos os meus pecados. E anos depois, quando reabrissem seu caixão e vissem as marcas de suas unhas cravadas na tampa, não me culpariam. E nem teriam como provar que eu fui a única que te vi esboçar um sorriso antes que a tampa fosse fechada. Só espero que não tenha tido forças o suficiente para deixar algum recado escrito à unha e sangue, me entregando.



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